Ana acordou com o despertador faltavam um quarto para as oito.
Soltou um pequeno gemido de preguiça, esticou os braços e olhou para o lado. Sorriu ao lembrar-se que aquela não era a cama dela: era daquele homem velho que a olhava com uns olhos tranquilos e sorridentes e lhe dizia com o olhar o quanto gostava de a ver ali. De a ter ali.
Ana estava a acordar de uma noite especial - muito especial: tinha sido a primeira noite dela. Olhou para ele uma vez mais, continuando sem entender por que razão estava ali com ele: com aquele homem. Não era ele com quem ela tinha sonhado, nem com alguém parecido, sequer, ele estava longe de ser o personagem perfeito do filme de amor que a Ana tinha realizado para a vida dela. No entanto, estava ali, radiante por estar com ele, que a conseguia fazer feliz; que a fazia voltar acreditar que é possível ser-se feliz. "Que raio... como é possível... este é o homem errado...".
Não se levantaram sem antes terem repetido os gestos que se tinham prolongado pela madrugada. Abraçaram-se uma vez mais, devagar, sussurrando palavras de amor ao ouvido um do outro, fazendo promessas que os dois sabiam que não podiam fazer; mas fizeram-nas, com a certeza de que todas as palavras ditas eram verdadeiras, sentidas, carregadas de paixão. Com a certeza absoluta de que iriam amar-se sempre. Mesmo que não para sempre.
- Passa das nove, Ana, temos que despachar-nos.
- Tomas tu duche primeiro? Deixas-me ficar aqui mais um minuto a fingir que durmo?
Saíram faltavam poucos minutos para as 10, hora a que a Ana tinha que chegar ao trabalho; havia pouco trânsito, não houve dificuldade em percorrer depressa aqueles poucos quilómetros. No carro, nem o som do rádio nem os óculos escuros da Ana o impediram de perceber que ela chorava. Ele alcançou-lhe o rosto com a mão, fazendo-lhe uma pequena mas sentida carícia, enquanto esboçava um sorriso de tristeza: era um momento que ele tinha antecipado, ele sabia que, mais cedo que tarde, a Ana teria que passar por aquele processo. "E eu também... essa é que é a merda toda".
O carro imobilizou-se na rua estreita onde ficava o escritório da Ana. Olharam-se durante uns instantes, que pareceram muito mais curtos que a realidade. Ele quebrou o silêncio:
- Voltas?
- Não sei se volto...
Ele repetiu o sorriso triste de há uns minutos:
- Sabes? Fico satisfeito por me dares essa resposta... é a única que eu sei ser verdadeira...
Beijaram-se apressadamente, para ninguém os ver.
- Ana?
- Sim...?
- Não te esqueças de mim...
- Como é que tu podes imaginar que eu alguma vez poderei esquecer-te?
Ele esperou que ela atravessasse a rua antes de arrancar. O rádio estava desligado, mas ele quase que jurava conseguir ouvir numa qualquer emissora o Chris Martin a cantar "the hardest part was letting go, not taking part..." Um arrepio atravessou-lhe o pescoço: era medo.
Um medo enorme de ter acabado de a perder.