10 agosto 2006

fui

Se tens na tua mão o poder para apaziguar esta mágoa,
se tens o que é preciso para sossegar este coração,
porque esperas, porque aguardas, porque me deixas?

Porquê permitir esta sensação de abandono, este desespero,
se podes com um gesto, uma palavra pôr fim ao desassossego,
a este já longo degredo a que me submeto - porque não me deixas?

Deixa-me ficar, diz-me para ficar, mostra-me que queres que fique,
Se não deixa-me ir, sem sentir que estou a fugir, assim não,
Não gosto de fingir que tudo está bem, não consigo, não posso!

09 agosto 2006

10 years after

Gosto da maneira como tu me sentes e eu te sinto

02 agosto 2006

vício

Saí do banho.
Enrolei a toalha à volta da cintura.
Acendi um cigarro e olhei-me ao espelho.
(gosto de me ver de toalha à cintura: a toalha esconde a barriga saliente e os ombros, largos, ficam mais evidenciados)
Fui para o quarto, deitei-me
(gosto das camas dos hotéis, maiores que a lá de casa, onde será que as compram?)
e estiquei o braço direito até à mesinha de cabeceira, do outro lado da cama.
Peguei no cinzeiro e no comando da TV.
Documentário? Canal de música? Notícias? Qualquer coisa!
Cortinas bem abertas,
(luz, muita: é fundamental!)
mente e tronco totalmente despidos, recostei-me nas almofadas a apreciar o cigarro e a brincar com os imperfeitos círculos de fumo que ia deitando no ar frio e condicionado do quarto.
“Quatro da tarde… não tenho mesmo juízo”, começava a mente a tentar vestir uma roupagem qualquer…

A campainha a tocar? É cedo!
Apago o cigarro à pressa, ajusto a toalha – não vá cair – e vou até a porta.
- Olá!
- Olá… vens cedo, não te esperava já…
- Ah não…?
- Entra!
Os meus olhos acompanharam-na enquanto entrava no quarto e a porta se fechava sem eu dar por isso: a forma como se movia, como poisava a carteira na cadeira, como se voltava e olhava e sorria para mim eram absolutamente fantásticas. Tal como o eram as formas arredondadas,
(sempre gostei de formas arredondadas)
que os meus olhos iam saboreando e as mãos ainda só adivinhavam. Irresistíveis, como dantes – como sempre.
- E então? Estás bem? Gostas de me ver?
- Sim.
“Sim”? Porra: não conseguia dizer mais?
Nestes momentos
(e com aqueles movimentos)
as palavras ficam sempre presas no pensamento.
Aquele sorriso tentador...
- Algum problema? Já não gostas? Estás arrependido?
As palavras continuavam presas atrás de um qualquer bloqueio. “Claro que gosto, como podia não gostar? Não, nada arrependido de estar aqui, claro que não!”
- Não – foi única coisa que consegui dizer.

Como podia eu dizer aquilo que devia dizer?
Opto pelo caminho da honestidade desnecessária, dizendo o que penso, destruindo um momento que pode bem ser o último? Pelo da desonestidade necessária? Deixando que tudo aconteça e tentando preservar sei lá o quê? Não é mesmo absolutamente necessário ser absolutamente honesto, desta vez e para sempre? Comigo, nem que seja?

Pondero por mais um instante, sem nada conseguir concluir.
Escondo-me atrás de novo cigarro…

A desonestidade, para além de justificada, traz hoje benefícios imediatos.
E que benefícios! E posso sempre concluir amanhã aquilo que devia ter concluído hoje...
Desonestidade desinteressada, altruísta?
Nah, desta vez não – e altruísmo é mesmo conceito apenas bíblico, inexistente na prática, toca a ser egoísta desta vez, no conceito mais carnal, e pensar que “Isto até pode ser que se componha, isto não é um erro”, convicção instantânea e convenientemente adquirida.
Convicção pouco convicta. Convicção, ainda assim.

Saí do banho.
Enrolei a toalha à volta da cintura sem o cuidado de esconder a barriga.
Acendi mais um cigarro
(devia ser o quinto cigarro da tarde, gosto de fumar mas isto está a passar as marcas)
e olhei-me ao espelho, descurando o aspecto mais lisonjeador da minha anatomia.
Fui para o quarto e deitei-me na cama, não reparando que a cinza crescia depressa na ponta do cigarro.
Cortinas bem abertas deixavam entrar o pôr do Sol e a TV emanava um ruído indiferente.
“Merda! Não tenho mesmo juízo…”

Tentar prolongar um sonho pode fazer eternizar um pesadelo.