24 abril 2007

território proibido

- Já viste até onde me trouxeste?
- Estou a ver. Mas sabes, como te tinha dito, eu guio-me pelas tuas palavras, se viemos até aqui foi por ti. Não te estou a culpar, mas limitei-me a seguir as tuas indicações.
- Pois. Talvez tenhas razão. Se calhar era até aqui que eu queria mesmo vir.

- Agora já não está escuro, agora vejo quase tudo. Mas continuo a ter medo, talvez até mais medo que antes, na escuridão.
- Eu sei. E eu também estou com medo. No escuro é fácil, encontrar a luz é o tal desafio; quando chegamos a um local que reconhecemos e sabemos ser perigoso, então sim, tenho medo. Porque sei dos perigos.

- E agora?
- Voltas ao mesmo? Vais continuar à espera que seja eu a levar-te, a conduzir-te e a puxar-te para diante?
- Sim. Já me conheces, sabes que eu sou assim.
- Pois… mas não, desculpa, não te posso guiar mais. Agora, que já sabemos onde o caminho vai dar, não quero ser eu o responsável por passares esta fronteira: se a quiseres passar, terás que ser tu a dar o passo, a ir em frente e mostrar que queres ir por aí, que é esse o caminho que escolheste. Acabei de te dizer que fiquei com medo, não foi? Uma das coisas de que mais medo tenho é de sentir a responsabilidade por te levar por um caminho e depois não te saber trazer de volta. De fazer com que te percas. Não, não posso nem devo. Não quero.
- Caramba. Numa situação destas, consegues saber sempre o que dizer. Eu aqui quase em pânico e tu pareces sempre encontrar as palavras certas. Parece que estás de fora, a ver-nos de longe, como se fosse um filme.
- Sim, talvez seja isso. Sabes, já vi este filme, isto é quase um remake, para mim: os personagens eram outros, a época diferente, o cenário também, mas a história quase que nem muda. O máximo que posso dizer-te foi como acabou esse outro filme, o final que teve.
- E qual foi?
- Fazes cada pergunta…
- Esta era fácil!
- Está bem: a história, depois daquele momento, correu mal, durante uns tempos. Eu interpreto essa parte do enredo como uma crise necessária à mudança, o protagonista tinha que partir para outra.
- Só isso…?
- Sim, só. Nunca vi o fim desse filme…

5 comentários:

Anónimo disse...

Já muitos e nós fomos ou somos actores em algumas das cenas que descreves.
Não ver o final de um filme, talvez seja uma maneira cómoda de não termos que aceitar os heróis e derrotados, ou os que foram felizes para sempre, mesmo que todo o mundo esteja infeliz à sua roda.
Também pode acontecer a históia não ser interessante e adormecermos a meio...
Gostei do "território proíbido".

JustAnother disse...

Vivo esse mesmo filme presentemente. Ja' vi o futuro mas estou a espera que quem tem de dar o passo se decida. Nao quero nem posso ser responsavel por essa decisao.
E tambem eu ainda nao vi o fim do filme...
Elegante escrita, passivel de muitas pessoas se reverem nela!

Anónimo disse...

Tens razão: passámos de território desconhecido a território proibido.

Não quero calar-me nem que te cales nem territórios pantanosos.

V. disse...

Estou com Chá da Lapa.

Gosto imenso de ler estas pérolas que nos vais dando.

cai de costas disse...

Não saber o fim do filme e não querer dar a mão e puxar para diante, mais do que uma atitude responsável e didáctica, pode também ser considerado como cobardia?
Coibimo-nos de dar esses passos que nos levariam a um estado de maior prazer, por querermos ter a certeza que esse estado é alcançado por vontade mútua, não apenas pela nossa iniciativa.
Coibimo-nos de atingir esse estado de possível maior felicidade.
É onde a cobardia encontra a estupidez.