I - nunca se sabe... (for now)
Parei à tua porta, destranquei o carro.
Entraste com um “Olá” quase casual – como se nos tivéssemos visto na véspera – dando-me um só beijo na face. Respondi ao teu “Olá” com um “Olá” surdo, mais tímido e envergonhado que o teu, sem te conseguir olhar, com a estrada como desculpa para essa minha incapacidade momentânea.
A condução do carro era bem mais fácil que a condução da conversa: não sou mau a segurar o volante, foste muito melhor a manusear as palavras.
Lentamente, fui perdendo o medo provocado pela presença da beleza intimidadora, exactamente a mesma de que me lembrava e que conseguia agora ver mesmo sem olhar, e acelerei, acho que até aos 200. Soltando cada vez mais palavras, sorrindo, tal era o prazer que a velocidade dava.
“Importas-te de fazer uns 30 km?”, perguntei.
Percebi que os meus receios eram infundados e que as minhas faculdades estavam intactas, conseguia finalmente acelerar também no discurso. Os 30 km passaram despercebidos, no meio das palavras com que fomos preenchendo os espaços vazios abertos pelo tempo: afinal, tinham sido anos desde o último contacto, desde aqueles breves momentos que deixaram marcas, marcas de que nenhum de nós tinha consciência, mas que estavam lá. Fortes e presentes e que só mesmo o acaso permitiu recuperar.
Concordámos no menu e no vinho, ainda bem que temos gostos semelhantes. Gostas das mãos, eu também, gosto dos pés, tu mais ou menos, do que mais gostei foi dos olhos e de como eles iluminavam, a pequena vela em cima da mesa apagou-se e nem demos por isso. Das faíscas. Que me pareciam sinais,
(mas nunca se sabe, pois não?)
indicativos de que era mesmo a tal fogueira e não apenas uma centelha que ardia por detrás deles.
“Que é que foi?” era a tua linha defensiva contra um olhar que sentias intenso, mas que era apenas reflexo da luz que vinha dos teus olhos. Que vinha, tenho a certeza. Que não parava, e eu só respondia mentindo “Não é nada…”.
De novo ao volante, acedeste ao meu convite para uma bebida, que a noite era uma criança e amanhã era sábado. Pareceu-me ser um sinal
(mas nunca se sabe, pois não?)
de que a memória das marcas antigas tinha sido reavivada por toda aquela luz vinda das faíscas.
Mostrei-te lugares de que gosto, disseste que eram lugares comuns a outras visitas guiadas, mas não eram. Pelo menos vistos àquela luz. Que não parava, e eu continuava a mentir a cada defesa tua: “Não é nada…”.
“Isto está a complicar-se”, não me lembro qual de nós disse. “Louis…”
Sim, podia. Ou, pelo menos, e tal como alguém dizia há mais de meio século, imortalizando a frase, pareceu-me poder vir a ser. Mas nunca se sabe.
Pois não?
Entraste com um “Olá” quase casual – como se nos tivéssemos visto na véspera – dando-me um só beijo na face. Respondi ao teu “Olá” com um “Olá” surdo, mais tímido e envergonhado que o teu, sem te conseguir olhar, com a estrada como desculpa para essa minha incapacidade momentânea.
A condução do carro era bem mais fácil que a condução da conversa: não sou mau a segurar o volante, foste muito melhor a manusear as palavras.
Lentamente, fui perdendo o medo provocado pela presença da beleza intimidadora, exactamente a mesma de que me lembrava e que conseguia agora ver mesmo sem olhar, e acelerei, acho que até aos 200. Soltando cada vez mais palavras, sorrindo, tal era o prazer que a velocidade dava.
“Importas-te de fazer uns 30 km?”, perguntei.
Percebi que os meus receios eram infundados e que as minhas faculdades estavam intactas, conseguia finalmente acelerar também no discurso. Os 30 km passaram despercebidos, no meio das palavras com que fomos preenchendo os espaços vazios abertos pelo tempo: afinal, tinham sido anos desde o último contacto, desde aqueles breves momentos que deixaram marcas, marcas de que nenhum de nós tinha consciência, mas que estavam lá. Fortes e presentes e que só mesmo o acaso permitiu recuperar.
Concordámos no menu e no vinho, ainda bem que temos gostos semelhantes. Gostas das mãos, eu também, gosto dos pés, tu mais ou menos, do que mais gostei foi dos olhos e de como eles iluminavam, a pequena vela em cima da mesa apagou-se e nem demos por isso. Das faíscas. Que me pareciam sinais,
(mas nunca se sabe, pois não?)
indicativos de que era mesmo a tal fogueira e não apenas uma centelha que ardia por detrás deles.
“Que é que foi?” era a tua linha defensiva contra um olhar que sentias intenso, mas que era apenas reflexo da luz que vinha dos teus olhos. Que vinha, tenho a certeza. Que não parava, e eu só respondia mentindo “Não é nada…”.
De novo ao volante, acedeste ao meu convite para uma bebida, que a noite era uma criança e amanhã era sábado. Pareceu-me ser um sinal
(mas nunca se sabe, pois não?)
de que a memória das marcas antigas tinha sido reavivada por toda aquela luz vinda das faíscas.
Mostrei-te lugares de que gosto, disseste que eram lugares comuns a outras visitas guiadas, mas não eram. Pelo menos vistos àquela luz. Que não parava, e eu continuava a mentir a cada defesa tua: “Não é nada…”.
“Isto está a complicar-se”, não me lembro qual de nós disse. “Louis…”
Sim, podia. Ou, pelo menos, e tal como alguém dizia há mais de meio século, imortalizando a frase, pareceu-me poder vir a ser. Mas nunca se sabe.
Pois não?
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