25 março 2010

viver no campo

Quando não acordo com as galinhas que quase me rodeiam, são elas que me acordam; por outro lado, eu, as galinhas que tenho por vizinhas (falo daquelas que têm mesmo penas e põem ovos), os patos que as acompanham e quiçá os silenciosos coelhos que com eles convivem, estamos todos rodeados por prédios. Tudo isto a menos de 20 minutos do Marquês.
Sei que não basta analisar a fauna ou a distância ao centro da capital para que possa ser afirmado que se vive no campo, cidade ou subúrbio: no local que refiro, são tantas as variáveis e as aparentes contradições que qualquer classificação facilmente pode ser contestada.
Seja como for, uma característica o torna parecido com um qualquer lugarejo da província (expressão em desuso, verdade, mas a que melhor expressa o conceito), corroborando, nem que seja apenas por isso, o título desta inutilidade que escrevo. Essa característica é o surpreendente conhecimento que muitos têm sobre a vida alheia - a minha e a de quem me rodeia, no caso - e a forma verdadeiramente informada como afirmações se produzem. E compartilham.
Desse modo, sem que eu faça o que seja por isso, informações do género "sabes quem esteve a beber café" e parecidas com "nem imagina quem esteve no outro dia em frente a sua casa" chegam-me com toda a naturalidade. E como o saber não ocupa lugar...





nota: o título surgiu-me da série televisiva com o mesmo nome que eu via algures no início dos anos 70, quando a nossa TV tinha dois canais a duas cores. Da série, Green Acres no original, recordo-me que a história girava em redor de um casal da cidade (Nova Iorque, presumo) que se mudava para o campo, da loira Eva Gabor e do velho tractor do genérico.

24 março 2010

twice shy

Não julgo. Longe de ser insensível ou indiferente ao que se passa à minha volta, mais ou menos perto de mim, analiso inevitavelmente tais acontecimentos; e sobre esses não me compete exercer a censura, pelo que reservo geralmente para mim quaisquer conclusões que deles retire. E essas quaisquer conclusões estão longe de ser um veredicto "bom", ou "mau", pois prefiro designar apenas por características aquilo que é vulgarmente classificado como defeito ou virtude. Até porque, amiúde, esses veredictos são sobre nós mesmos, já que fomos tantas vezes cúmplices desses acontecimentos, seja por participação, por conivência, ou condescendência.

Habituado a que se confunda permissividade com indiferença, tolerância com submissão, respeito com deferência, memória com saudade e até indulgência com neglicência, todos eles quase sinónimos com suaves mas importantes nuances entre si, não me espantaria que, desta vez e uma vez mais, tais conceitos fossem misturados.

E não, nem assim ficaria perto de me zangar com quem faz tais confusões. Preferiria apenas que fosse de outro modo: tudo seria mais simples.

22 março 2010

surdos

Nunca cheguei a perceber qual das partes padecia da crónica falta de audição, ou se ambas; nem sequer se foi essa a doença que os fez sucumbir. Mas foi uma das causas centrais e seguramente a mais visível para uma morte que se fez anunciar ao longo de semanas, dolorosas semanas, em que por mais que gritassem de dor não se conseguiam fazer ouvir. Aliás, conseguiam, a espaços, sempre que o tom de voz baixava (e com ele as guardas), e nesses raros momentos a harmonia que tinham em tempos conhecido voltava a ser uma realidade.

Mas não bastavam, esses raros momentos, e até nessas ocasiões faltava sempre algo mais: provas, confiança, palavras; silêncio, tranquilidade, serenidade. E talvez até um rumo comum - ou uma velocidade igual para chegar a um objectivo, que pôde até ter sido comum, mas que teimou em não o parecer.

17 março 2010

domingo

O Sol impulsionou-me até uma praia na região oeste para um almoço na esplanada.
Mais habituado à utilização de auto-estradas e vias rápidas, para além das agora não tão longas filas suburbanas, impacientei-me com aquele Opel Astra de 2001, irrepreensivelmente limpo e com 17 mil quilómetros reais desde que comprado novo – e a pronto pagamento. Pilotado pelo Sr. Antunes, que se fazia acompanhar pela esposa, a D. Odete, ele de fato e gravata e ela exibindo um impressionante arsenal de jóias, que ainda que de questionável gosto, de indubitável autenticidade, mantinha uma estonteante velocidade de 72 km/h, prudentemente reduzida aos 54 km/h sempre que a menos de seiscentos metros de uma daquelas apertadíssimas curvas – acredito agora naquelas conversas que oiço a espaços em que “o meu Astra faz menos de 6 litros aos 100” e em que “faço todas as revisões na marca” – claro, as duas até agora necessárias.
Sem que tenham sido assim tantos os quilómetros percorridos nestas condições, a verdade é que ultrapassei esta mesma viatura um sem número de vezes, sendo que era umas vezes ocupada pelo Sr. Fernandes e pela D. Graciete, outras pelo Sr. Sequeira e pela D. Arlete – sim, devo ter algum fetiche com todos os nomes acabados em “…ete”, possivelmente uma mulher com esse nome ter-me-á traumatizado algures na minha longínqua infância.
Na realidade, a existência de qualquer um destes condutores não constitui qualquer novidade para mim, seguramente que já me cruzei no passado com eles nalguma estrada deste país. No entanto, falhei em constatar que estes Srs. estão a envelhecer e que os filhos deles cresceram: estão a chegar perto dos 30 e já se casaram. E eu encontrei-os: passeavam no paredão abaixo da esplanada onde almocei, felizes com o novo pincher, mais pequeno que o enrolador da trela. A Tânia, que não cabia em si de contente (nem nas calças de fato de treino, para ser honesto), o Telmo, que mesmo tendo uma pochete preferia segurar o i-phone na mão, juntamente com a chave do carro (não, não vi a marca do carro, mas adivinho um Ibiza).
De regresso a casa e mais uma dúzia de ultrapassagens a outros tantos Srs. Antunes, valeu o almoço, a companhia e um Sporting renascido, qual fénix tardia e inútil.
E eu queixo-me? Devia estar era calado. Get a life!

(as marcas dos carros e os restantes proprietários que me perdoem, quer a publicidade, quer as associações)