28 setembro 2006

schwabentalk


- Sim, em Portugal há imensos milagres.
- Há?
- Claro.
- Por exemplo?
- Eu!
- Ah, pois, és mesmo um milagre.
- Eu sou um milagre.
- Sentiste à nascença que eras um milagre?
- Ser como sou, vindo do meio de onde sou originário, é um verdadeiro milagre.
- Mas porquê?
- Caso tivesse seguido um percurso normal, teria sido um enfadonho engenheiro civil, daqueles que odeiam obras, teria talvez casado com a filha de um médico ou com uma hipotética Susana, filha de um coronel de artilharia. Teria trabalhado sempre na mesma empresa, sido cumpridor das normas e das regras sociais, sem chocar… Hoje em dia, conduziria um monovolume cinza metalizado, onde faria deslocar os meus filhos: Paulo, o mais velho fanático por computadores, um verdadeiro nerd; a Mariana, a do meio, infelizmente igualzinha à mãe, com verniz nas unhas aos 12 anos e sem outro assunto que não moda; o mais novo, o Alexandre, que me mói o juízo e a carteira com a porcaria das aulas de equitação, por influência da parva da mãe, que acha que é in montar aqueles animais perigosos e de odor desagradável.
- Porque é que escolheste esses nomes?
- Não fui eu quem os escolheu – ou achas que teria direito a voto, lá em casa, numa casa destas? Claro que estou a imaginar e a divagar. Mas vou usar esta nossa conversa e publicá-la.
- Ainda bem que és diferente, porque se tivesses uma vida assim, não estarias aqui na net a falar com estrangeiras, nem poderias embebedar-te com alemãs ou com suíças com um cão.
- Vou aproveitar também este teu comentário.

22 setembro 2006

22

22 de Agosto 1987
Amoreiras, Lisboa. Faca de cozinha mal utilizada resulta em secção parcial do quinto dedo da mão direita. Quatro cirurgias, quatro porcento de invalidez permanente e dez anos para habituação à pequena incapacidade.
22 de Julho de 1992
Ramalhão, Sintra. Yahama 600 em excesso de velocidade, impossível evitar Ford Transit em manobra perigosa. Quinze metros pelo ar, duas semanas para que as dores deixassem de ser sentidas e as nódoas negras desaparecessem por completo. Quatro anos em tribunal para ser indemnizado pelos danos no veículo de duas rodas.
22 de Setembro de 2000
Olivais, Lisboa. Telefones desligados do outro lado, a primeira e a mais marcante mentira. Anos a tentar esquecer, sem conseguir.
22 de Setembro de 2006
Talvez seja melhor ficar em casa.

21 setembro 2006

traços


Tenho a tendência para admirar (e até invejar) quem tem capacidades que não domino.
Olho com uma inveja saudável quem consegue fazer de um carro aquilo que não consigo, quem faz aquela curva sem deixar escorregar demasiado e consegue esperar pelo momento certo para acelerar, sem perder tempo - na gíria, quem consegue andar para a frente. Eu ando muito mais para o lado.
Com o mesmo sentimento, oiço uma guitarra a emitir melodias, sons que gostava de ser eu a produzir. Mas não consigo. Felizmente para peões e demais utilizadores da via pública, conduzo um pouco melhor do que toco guitarra.
Pegar numa caneta, lápis, pincel, ou outro qualquer instrumento que permita passar imagens para a tela é arte que tão pouco domino. Sem inveja neste caso, não posso deixar de admirar a forma como alguém consegue captar expressões e emoções deste modo.
Não sei de quem é a cara. O traço é da Becas. Respect.

20 setembro 2006

frangos II

You can fool all the people some of the time, and some of the people all the time, but you cannot fool all the people all the time.

Abraham Lincoln, 1809-1865

19 setembro 2006

assim

Ega ergueu-se, atirou um gesto desolado:
- Falhámos a vida, menino!
- Creio que sim... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é falha-se sempre na realidade aquella vida que se planeou com a imaginacão. Diz-se: «vou ser assim, porque a belleza está em ser assim». E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado, como dizia o pobre marquez. Ás vezes melhor, mas sempre differente.

Eça de Queirós, Os Maias, 1888

15 setembro 2006

outros vícios

Ouvi mais do que uma vez de alguém que muito prezo que não há ex-fumadores, mas fumadores que não fumam há… seja quanto tempo for. De facto, consegui deixar de fumar durante alguns meses, apenas para cair de novo na tentação de pegar num cigarro, acendê-lo e apreciá-lo.
Presentemente, estou de novo num ritmo quase desenfreado, consigo com regularidade ultrapassar a marca dos 20 cigarros diários – registo do qual não me orgulho, mas relativamente ao qual, sinceramente, pouco tenho feito. Porque os vícios (alguns, pelo menos) dão-nos prazer e, talvez como qualquer viciado, consigo dizer sempre para comigo “um destes dias…”.
Enfim, outros vícios.

14 setembro 2006

pistas

08 setembro 2006

I - nunca se sabe... (for now)

Parei à tua porta, destranquei o carro.
Entraste com um “Olá” quase casual – como se nos tivéssemos visto na véspera – dando-me um só beijo na face. Respondi ao teu “Olá” com um “Olá” surdo, mais tímido e envergonhado que o teu, sem te conseguir olhar, com a estrada como desculpa para essa minha incapacidade momentânea.

A condução do carro era bem mais fácil que a condução da conversa: não sou mau a segurar o volante, foste muito melhor a manusear as palavras.
Lentamente, fui perdendo o medo provocado pela presença da beleza intimidadora, exactamente a mesma de que me lembrava e que conseguia agora ver mesmo sem olhar, e acelerei, acho que até aos 200. Soltando cada vez mais palavras, sorrindo, tal era o prazer que a velocidade dava.

“Importas-te de fazer uns 30 km?”, perguntei.
Percebi que os meus receios eram infundados e que as minhas faculdades estavam intactas, conseguia finalmente acelerar também no discurso. Os 30 km passaram despercebidos, no meio das palavras com que fomos preenchendo os espaços vazios abertos pelo tempo: afinal, tinham sido anos desde o último contacto, desde aqueles breves momentos que deixaram marcas, marcas de que nenhum de nós tinha consciência, mas que estavam lá. Fortes e presentes e que só mesmo o acaso permitiu recuperar.

Concordámos no menu e no vinho, ainda bem que temos gostos semelhantes. Gostas das mãos, eu também, gosto dos pés, tu mais ou menos, do que mais gostei foi dos olhos e de como eles iluminavam, a pequena vela em cima da mesa apagou-se e nem demos por isso. Das faíscas. Que me pareciam sinais,
(mas nunca se sabe, pois não?)
indicativos de que era mesmo a tal fogueira e não apenas uma centelha que ardia por detrás deles.
“Que é que foi?” era a tua linha defensiva contra um olhar que sentias intenso, mas que era apenas reflexo da luz que vinha dos teus olhos. Que vinha, tenho a certeza. Que não parava, e eu só respondia mentindo “Não é nada…”.

De novo ao volante, acedeste ao meu convite para uma bebida, que a noite era uma criança e amanhã era sábado. Pareceu-me ser um sinal
(mas nunca se sabe, pois não?)
de que a memória das marcas antigas tinha sido reavivada por toda aquela luz vinda das faíscas.
Mostrei-te lugares de que gosto, disseste que eram lugares comuns a outras visitas guiadas, mas não eram. Pelo menos vistos àquela luz. Que não parava, e eu continuava a mentir a cada defesa tua: “Não é nada…”.

“Isto está a complicar-se”, não me lembro qual de nós disse. “Louis…”
Sim, podia. Ou, pelo menos, e tal como alguém dizia há mais de meio século, imortalizando a frase, pareceu-me poder vir a ser. Mas nunca se sabe.
Pois não?

04 setembro 2006

frangos

Esbarro com todo o tipo de pessoas.
Sem ser selectivo, prezo-me por me dar bem com todos, mais com uns que com outros, naturalmente; mas tento não discriminar, seja por que motivo for. Raros serão os que não consigo suportar, já que a única característica que tipicamente não admito é a estupidez, que, ao contrário da ignorância e a ausência de cultura, é característica voluntária, opção pessoal.
Recentemente deparei-me com um caso totalmente novo, na minha experiência de já algumas décadas – cada vez mais décadas. De facto, e até determinado ponto, algumas das características demonstradas deveriam ser motivo de inveja para muitos e servir de exemplo terapêutico para outros tantos: a quantidade de auto-estima revelada permite demonstrar que existem egos indestrutíveis, que se auto alimentam, não necessitando sequer de estímulos externos para obter motivação.
Não terei eventualmente capacidade para o classificar, cai integralmente fora dos padrões a que me fui habituando. Na verdade, poderia remeter este conhecimento recente para o grupo dos restantes e raros estúpidos registados na minha agenda: esta classificação revelar-se-ia, porém, não incorrecta, mas insuficiente, tal o carácter único das características demonstradas.
Passará, claro está, a constar não da lista negra, mas da amarela, cor condicente com o sorriso que a lembrança de tal personagem origina. Passará igualmente a constituir uma adição ao repertório de anedotas com que brindo os convivas dos jantares mais animados, dentro do tema mais vasto da imbecilidade humana, revestida, neste caso, de uma espessa camada de presunção e vaidade: ninguém é absolutamente inútil.

23+7

Esmerei-me.
Talvez não tenha feito o meu melhor, ninguém nunca faz o melhor, conseguimos sempre fazer melhor.

Mas fiz com carinho, com amor e com muita emoção.
E intenção. E esperança.
Resultou?